Uma proposta de construção do leitor

Por Caroline Arenhart De Bastiani

Houve um tempo em que a sociedade acreditava que leitura se restringia ao ato de ver o que estava escrito ou de lhe atribuir uma versão oral. Hoje, porém, quem trabalha ou está envolvido, de alguma forma, na área da educação sabe que o ato de ler é mais que isso, é a atribuição de sentido a uma mensagem escrita.

      Existe um consenso entre diversos estudiosos e pesquisadores sobre como é difícil formar leitores no Brasil. Estas dificuldades provem de questões que merecem extrema atenção, pois se não solucionadas, tendem a continuar trazendo complicações não só para a educação, mas para todos os outros segmentos da sociedade.

      Como mostra Luzia de Maria (2002, p. 19) o analfabetismo, mesmo que funcional, custa caro para a nação em seu conjunto, somente no Canadá, o custo aproximado do analfabetismo chega a US$4 bilhões. Na França, os políticos sabendo que esse problema “ameaça o progresso e termina por arruinar seu desenvolvimento”, realizou-se uma campanha para a erradicação do mesmo.

     Podemos citar como um dos problemas que aflige o Brasil o fato dos livros didáticos ou professores terem a “resposta-chave” para as questões de interpretação. Dentro dos materiais didáticos são inseridos textos fragmentados de livros que são usados basicamente para explorar outras atividades gramaticais, não menos importantes, mas que fazem com que se perca a principal finalidade, que é a leitura.

     Sem falar das perguntas de interpretação que são feitas de forma mecânica, nas quais o aluno se sente preso e incapaz de produzir sua própria leitura, acreditando que exista somente um tipo de leitura correta para aquele texto, ou seja, o aluno acredita numa única resposta para os questionamentos.

     O que não pode e não deve ser feito no âmbito escolar é a repressão dos alunos, por parte dos professores, quando eles sentirem vontade e necessidade de expressar suas opiniões perante o texto, só para que haja disciplina na sala de aula. Muitas vezes o aluno não faz sua leitura, porque o próprio professor não dá a ele a oportunidade de mostrar sua visão ou interpretação do que está sendo discutido. É preciso que eles sintam uma liberdade para expressar suas idéias, se comunicarem, dialogarem abertamente com seus colegas/professores, para que aprendam a desenvolver uma leitura crítica.

     E, reforçando essa idéia, Bakhtin (apud: Luzia de Maria, 2002, p. 33) diz que: “Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação”.

     É necessário que o aluno tenha a possibilidade de se comunicar nas aulas, não só para aprender a interpretar e organizar suas idéias, mas também para aprender a ouvir e respeitar a opinião de seus colegas, tornando-se, assim, além de leitor, um bom ouvinte.

     Segundo Luzia de Maria (2002), o diálogo no espaço escolar é de extrema importância e essencial para o estímulo à verbalização, pois assim lança um desafio ao pensamento das crianças e não as impede de aprender.

     Outro sério problema a ser encarado é o da leitura proposta pelas escolas. É muito comum e, de certa forma, já faz parte de uma tradição na maioria das escolas brasileiras, as listas de livros que trazem uma leitura obrigatória.

      O que a escola e muitos professores não percebem é que, no período em que os leitores estão em formação, o livro a ser lido ou o número de livros a serem lidos não é de extrema importância, o mais importante é criar programas de incentivo à leitura, independente dos materiais trabalhados, porque se acredita que o leitor se faz primeiramente através de leituras que são de seu interesse.

      No momento em que se está trabalhando leitura é preciso uma sensibilidade por parte do educador, pois suas atitudes irão refletir no futuro de seus alunos, transformando-os em leitores ou não-leitores. É indispensável que o professor entenda que não é agora, nesse momento crucial, que os clássicos da literatura devem ser trabalhados, mas algo que faça o aluno sentir prazer em ler, que considere a leitura uma forma de entretenimento. Depois que ele já estiver familiarizado, será mais fácil trabalhar outros livros e outros temas mais complexos.

      Para que alguém se torne leitor é necessário que encontre prazer na leitura, por isso que, muitas vezes, essas listas de leituras obrigatórias exigidas pelas escolas têm um resultado contrário ao esperado: produz leitores afastados dos livros.

Silva afirma: “o problema da leitura não se desvincula de outros problemas enraizados na estrutura social”, ou seja, as dificuldades, carências e problemas que um indivíduo possui estão presentes não só nas “falhas” da escola e dos professores, mas também podem ser causadas pelas condições em que o indivíduo vive.

      Cabe a todos entenderem que uma criança que foi alfabetizada e apresentada às letras com pais leitores, com acesso a livros, podendo praticar a escrita e a leitura em computadores, brinquedos que imitam quadro-negro ou até mesmo em máquinas de datilografia, terá muito mais chances de se desenvolver uma boa leitora do que aquela que vive em condições precárias, com pais analfabetos e também com pouco contato com o mundo das letras.

      Zilberman afirma que as oportunidades desiguais de alfabetização de que pessoas e grupos dispõem, originam-se na organização da sociedade, divida em classes menos e mais privilegiadas.

      Como a divisão de classes não é um problema cuja solução esteja ao alcance dos professores, o que a escola deve fazer é respeitar as diferenças existentes entre essas classes, compreender que cada aluno terá seu tempo de aprendizado e proporcionar a eles um ambiente de alfabetização, os quais não tiveram a oportunidade de possuir em casa.

      À escola fica essa grande responsabilidade, a de educar de forma justa e igualitária. E para isso, é importante que elas tenham profissionais bem preparados, para que não haja nenhum tipo de discriminação e preconceito. Para que eles entendam que ter paciência é primordial, pois esses alunos não têm culpa da posição social que lhes foi imposta.

Este artigo (aqui apresentado na íntegra) vem sendo publicado pela Carol, dividido em 3 partes nas edições do "Quixote", Fanzine do Grupo Gauche de Literatura.

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